22.05.2014, 21h08min, no meio de uma contração |
Parto-me parte 2 não
está fácil de sair. Revisito as fotos, os vídeos, ouço as músicas e cada vez
que faço isso
sentimentos novos vem surgindo. Sentimentos do antes, do durante,
do agora. Sensações que me invadem, me tiram sorrisos e lágrimas.
Eu sinto como se,
sinto como se em 2 anos e 9 meses eu tivesse aprendido mais que em 30 anos de
vida. Sinto como se eu tivesse começado a me conhecer.
É um desejo de
voltar lá atrás, voltar e fazer tudo de novo, diferente, usando tudo o que eu
aprendi desde lá. Mas eu sei, também que, tudo que acontece é aprendizagem. A
Vanessa que estava lá é semente da Vanessa de hoje. A Vanessa que estava lá fez
o tinha condições de fazer. E viveu o que precisava para aprender vai sobre a
própria vida.
Mas, enfim. 22 de
maio de 2014, fim de tarde, por volta das 16h30, uns minutos a mais. A bolsa
rompeu. Líquido escorrendo perna abaixo. Eu nem sabia ainda se poderia parir em
casa, ou teria de ir para o hospital. A coleta de 24 horas de xixi tinha ido para
o laboratório pela manhã e eu aguardava o resultado.
Pai do Estevan saía
do trabalho as 17h. Pedi que passasse no laboratório para pegar o resultado.
Era importante tê-los em mãos. Entrei em contato com a parteira, encaminhei
resultado dos exames por e-mail para o obstetra. Tudo certo com os exames. Que
alívio. Ou não. Eu tenho a sensação de
que naquele momento eu já não sabia mais se todo aquele movimento era bom
mesmo, e se não desse certo? Vamos lá, o corpo sabe parir! Eu tinha certeza de
que parir seria libertador, transformador! Uma transformação acontecida no
instante do parto. Eu certamente não imaginava que o parto de uma nova mulher
seria tão longo, dolorido e bonito.
A Doula. Ela está
viajando, mas fizemos contato anterior com outra pessoa. Outra Doula. Se fosse
preciso ela nos acompanharia. Um encontro. Eu fiquei um pouco envergonhada de
fazer contato com ela. Devíamos ter conversado mais. Nos encontrado mais. Ela já
conhecia o restante da equipe, isso me tranquilizava, já haviam trabalhado
juntos. Mas e a minha intimidade com ela? Eu não pensei nisso. Eu queria parir.
O corpo sabe parir!
Organizamos a casa.
Aquecedores no corredor e banheiro. Descobri que esses aquecedores pequenos não
servem de nada. Fazem um vento quente ótimo para secar banheiro em dia de
umidade, mas como aquecedores de ambiente? Um desastre. Ou seria o frio intenso
que fazia e minha variação de temperatura?
Pode ir para o
chuveiro. Fica um tempo lá. 1 hora. Se as contrações continuarem é trabalho de
parto. Se pararem. Alarme falso. Eu fui. E aquela hora não passava nunca. Sabe
quando as mães gritam "desliga esse chuveiro, á faz 1 hora que tá nesse
banho!". Elas nunca olharam no relógio. 1 hora embaixo do chuveiro é muito
tempo. Muito tempo mesmo. Mesmo com o banquinho para sentar.
Era um dia frio. Bem
frio. O banho precisava ser quente. Além da pouca eficiência dos aquecedores, a
chave (disjuntor) do chuveiro também caía. Alguns minutos de banho bem quente e
alguém precisava religar a chave. Que saco. Interrompia. Atrapalhava. Que
vergonha. Nem o chuveiro não funciona direito.
Eu me preocupei
bastante com o que precisava para parir em casa. Acho que faltou pensar no que
eu queria para parir em casa. A primeira coisa é sim importante. A
infraestrutura. Mas, e os meus desejos? E a conexão com o corpo, com o bebê?
É um momento íntimo.
Não é bom muitas pessoas por perto. Mas se é para nascer em casa é para nascer
com as pessoas que vivem na casa, não? Eu queria que meu irmão estivesse junto.
O pai da criança também, claro! Mas queria também que Mateus estivesse com a
gente . Mas, não pode muita gente. Acatei. Não ouvi o meu desejo. Acatei.
Iuri fez risoto.
Comprou algumas coisas para comer. Ficamos em casa, os três. Conversando.
Anotando contrações. Todas. Sem perder nenhuma. Dançamos? Não, eu esqueci de
dançar na gestação. E as músicas. Eu estava fazendo seleção de músicas.
Salvando no notebook, vai que a internet não funcionasse, eu teria as músicas
salvas para ouvir. Mas, uns dias antes, notebook estragou. Ainda deu tempo de
salvas algumas numa lista do youtube. Algumas. Poucas. Não exatamente as que eu
queria. E elas repetiam a todo instante. Repetiam desesperadamente.
Entre uma contração
e outra, a gente dormia um pouquinho. Eu tenho uma habilidade incrível para
dormir. Assistindo aos vídeos pude conferir o comentário do Iuri sobre isso.
As contrações e as
dores aumentavam. Já passava da meia noite. Chamamos a Doula. Eu não lembro
quando ela chegou. E lembro menos ainda
quando o resto da equipe chegou.
Quem sabe vamos
caminhar, sair do quarto? Não! Eu não conseguia. Talvez tenha ido até a cozinha
alguma fez. Mas a imagem que eu tenho era de ir até um pedaço do corredor e
voltar. Não, eu não queria sair dali. Eu não conseguia. Massagens, florais,
banho (quente-frio), bola. Rebola. Mexe os quadris. Inspira. Solta o ar pelo
canal da vagina.
A gente tava na
cama. A Cibele nas minhas costas, massageando. Foi um momento intenso. Na minha
memória registrado como "vamos lá, tu vai conseguir". Cibele tinha
lindas palavras de incentivo. E eu ali, com minha dificuldade de acreditar em
elogios.
Conecta com o bebê,
pode chorar. Fala tudo que está sentindo. Pode gritar. Vocaliza. E se teve uma
coisa que que fiz foi gritar, gritei por todos os silenciamentos da vida.
Gritei por todas as vezes que calei. Que acatei.
23.05.2014, 13h06. |
Em algum momento
tudo parecia tão artificial. Tem alguma coisa trancando. Não vai descer, tá
trancado. Nem mesmo o ar, inspira, solta o ar pelo canal da vagina, nem mesmo o
ar imaginário passava ali. Eu não consegui bem dizer o que era, mas falei que
trancava. Coloquei a mão no ventre e dizia: aqui, está trancado, tem alguma coisa trancando, não vai passar.
Muitas horas já
deviam ter passado. Eu me sentia exausta. E se eu dormisse só um pouquinho,
será que eu conseguiria?
Os exames de toque
doíam insuportavelmente. Estávamos bem. Pressão, temperatura, batimentos
cardíacos. Mas as contrações começaram a espaçar. Começaram a enfraquecer.
Quase 24 horas de trabalho de parto. Eu acho. 7 cm de dilatação. Eu acho. O
bebê está muito alto. Ele precisa descer e girar. As contrações estão fracas.
Não vão conseguir empurrá-lo. É melhor
ir para o hospital, quem sabe com a ocitocina sintética as contrações retomem e
o trabalho de parto avance.
O plano B era o
hospital centenário. A equipe me acompanhava até, mas não teriam como entrar. A
bolsa no menino estava mais ou menos arrumada. A minha, nada arrumada. Eu ia
parir em casa. Parto domiciliar planejado. Nada das minhas roupas me serviam
mais. Fazia muito frio. Peguei o que restava de roupa limpa e que ainda servia.
Iuri ajudou a descer
as escadas. Via luz do dia. Mas não vi as pessoas que andavam pela rua. Era
sexta-feira, 23 de maio de 2014, por volta das 16h. Fui no banco de tras, de joelhos. Recebendo
as contrações. No hospital, na sala de pré parto ninguém entra. Tendei que a
Doula entrasse junto. Não. Não pode. Quando for para a sala de parto chamamos
uma pessoa.
A ocitocina
sintética entrou e as dores aumentaram. Aumentaram muito. Não tinha posição
confortável. Na verdade, só tinha uma posição: deitada! Obedeci. Obedeci,
também, por medo de ser maltratada. Que tristeza, em momento de dar a luz
precisar passar por isso. Precisar passar pelo medo de ser maltratada. As
contrações vinham e eu gritava. Vocalizava. Mas não consegui me mexer, me
sentir confortável. Os exames de toque continuavam imensamente doloridos.
A dilatação
completou. Mas o bebê continua alto. Um médico olha, chama outro. O que fazer?
Se aproximava da hora de troca de plantão, depois me dei conta. Como iam trocar
plantão e deixar uma mulher ali, em trabalho de parto.
Vamos fazer cesárea.
Tudo o que eu não queria. Cesárea. E eu ainda choro por ela. Choro agora. Na
hora não. Não sabia mais dos meus sentimentos. Só sabia de dor e exaustão.
Chamem o pai da criança. Ele tem direito! Eu tenho direito. Foi a única
reivindicação que eu consegui fazer. Contra o anestesista que me dizia para não
gritar, eu só consegui responder com um grito. Mas devo admitir, naquele
momento, aquele líquido agindo no meu corpo foi uma sensação ímpar.
Na cirurgia, eu me
sentia como um saco de batatas que é empurrado, balançado para todos os lados.
Pedi que tirassem o pano na da minha frente. Que queria ver. Não. Não podemos
tirar.
Eu fiquei ali,
esperando sentir tirarem o bebê da minha barriga. Eles iam tirar e me mostrar.
Óbvio né? E puxa de um lado e do outro. E nunca tiravam bebê. A minha esquerda,
numa mesinha, tinha um bebê, não era o meu filho, eu não senti tirarem ninguém
da minha barriga. Eu não sei de quem eu pensei que fosse aquele bebê. Não tinha
outra mãe passando por cirurgia ali comigo. Mas eu não achei que fosse o Nosso
Menino. Na minha direita, Cristofer conversava. Dali um momento me falou, como
quem quer dizer, mas não quer assustar.
Ali, do lado, nosso filho. Nosso filho? A enfermeira (ou sei lá quem era
ela) explicou que ele demorou um pouco para respirar. Mas estava tudo bem. É
normal em função do hormônio sintético e da anestesia (e dele ter nascido pela
barriga e de ter o cordão umbilical cortado rapidamente). Qual o nome dele? A
gente olhou, se olhou. Estevan. Eu ainda brinquei, Estevan Leopoldo. Era
sexta-feira, 23 de maio de 2014. 18 horas e 55 minutos.
E toda a paixão que
eu parecia não ter sentido naquele momento de exaustão, de hormônios
sintéticos, de anestesia, eu sinto agora, ao escrever. Revisitando a memória, eu sinto como cada
pessoa que se envolveu no nosso trabalho de parto se dedicou na forma que pode,
na forma que sabia naquele momento, deu de si tudo o que tinha para dar.
Cris, vai com o
Estevan. Eu fiquei ali sendo costurada. Depois sala de recuperação. Precisa
levantar o quadril e as pernas para receber o bebê. Vai demorar umas quatro
horas. Eu estava exausta. Vou dormir para me recuperar e receber o filho. Posso
trazer ele? Sim! Sim! Traz! Tu consegue segurar ele? Teve um silêncio, vácuo.
Não são sei quanto milésimos de segundo durou. Sei que eu não consegui pensar
se não conseguiria. Eu daria um jeito. Traz! Traz o meu filho!
Eu queria parir.
Estevan não nasceu de parto normal. Mas, desde lá, venho parindo uma nova
mulher!
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Nesses dias de
escrita sobre trabalho de parto escutei e cantei muitas vezes essa música da
Bruna Caran, Nascer de novo. É como se ela tivesse sido escrita para mim, para
minha experiência de maternidade.
É como se o tempo
que eu levei
pra saber tudo o que
sei
provasse eu não
saber nada.
Por todo o caminho
que andei
pra cada passo que
dei
voltar ao início da
estrada.
E desfazendo cada
defeito
desvendando um jeito
desenhando a saída.
Que é pra viagem
ser só de ida,
mas sem haver
despedida.
Te ter é como nascer
de novo
não reconhecer nada
ao redor
desatar o nó,
quebrar a casca do ovo
a dura carapaça da
dor.
Por tudo aquilo que
já pequei
e cada ato que errei
é como estar
perdoada.
E livre do que então
carreguei
cada cilada em que
entrei
de cada porta
fechada.
Viver trilhando o
caminho certo
é olhar mais de
perto
o universo em mim.
Que é pra poder
seguir adiante
não me sentir mais
distante.
Te ter é como nascer
de novo
não reconhecer nada
ao redor
desatar o nó,
quebrar a casca do ovo
a dura carapaça da
dor.
Tenha paciência
comigo
Saiba que ainda
estou
Sem ver onde piso, é
repentino e sem aviso
A terra perdida à
pele, a paixão ardida…
Te ter é como nascer
de novo
celebra o que em mim
é maior
minha nova
instância: descobrir a todo instante
cada nuance do que é
o amor.
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