sexta-feira, 3 de junho de 2016

O demorado primeiro colo de mãe

A primeira "mamada"
Estevan veio. Veio pro colo. Eu não conseguia me mexer direito e ele ficou ali, todo molinho, pequenininho
deitado no meu braço!

E logo fomos para o quarto. E mais uma vez o medo de ter alguém me trocando de cama. Cama - maca - cama - maca - cama! Mas era um medo diminuído agora pelo menino ia ao meu lado.

Ele não tinha mamado ainda. Muitas horas se passaram e ele ainda não tinha mamado. Era um dos motivos de eu preferir que ele nascesse em casa. Era um dos motivos de eu querer que ele nascesse de parto normal.

Cristofer, Iuri e Julia estavam ali com a gente. Ajudaram na primeira mamada. Eu lembro ainda, direitinho a sensação da primeira vez que ele colocou a boca na teta. Tem vídeo também. Ainnn. Eu disse quando ele conseguiu segurar a teta com a boca pela primeira vez. Ele ali, tão pequeno. Deitado do meu lado. Tão tão tão pequeno. Tão indefeso, tão precisado dos meus cuidados.

E é tão rico me emocionar agora lembrando daquele momento. Me encher de uma emoção que, lá, há dois anos atrás parecia tão adormecida. Adormecida pelos hormônios sintéticos, pela anestesia, pelo cansaço, pelo protocolo. Adormecida pelos caminhos da vida.

Ele ficou um tempo ali, cheirando a teta. Ainda sem leite. Ainda sem colostro. Toda mole. Tão grande.
A teta, aquela que veio substituir o cordão umbilical. Que se preparava para alimentar com leite, um menino, que até então se alimentava e respirava pelo cordão umbilical. Que ganhava vida pela placenta.

A placenta é mística. Mítica. Transcendente. Fonte de energia. Estou certa que sim. Essa placenta que alimentou Estevan por 39 semanas é, também, luto para mim. Sabe aquele momento que a gente perde e que nunca mais vai ser possível viver? Pois é. Outra frustração. A placenta. Eu não vi. Não coloquei a mão. Não apertei. Não senti o cheiro. Não comi. Nem ao menos sei onde ela foi parar. E, nessas condições prefiro mesmo não saber. Deixo ela guardada na memória. Uma imagem, sem imagem, sem cheiro.

Minha placenta de argila.
Eu não vi a placenta e Estevan não teve o privilégio de ter o cordão umbilical cortado somente após parar de pulsar. Outro motivo pelo qual eu queria parir. E parir em casa.

Quem sabe, se houver próxima gestação, eu opte por um parto de lótus? Ai posso curtir bem a placenta. Enquanto isso lembrei da argila que comprei no final da gestação e que tinha a intenção de moldar a gestação. Eu paro o texto. Encontro a argila (...). Agora temos uma placenta! De argila. Mas temos.

Eu continuava lá na cama. Não pode erguer a cabeça, não pode se mexer, fez anestesia. Vai passar mal. Fiquei ali. Deitadinha, com menino ao lado, interagindo com a teta. E tive que ficar sozinha com menino. Não pode acompanhante. Acompanhante queria ficar. Eu também queria ficar acompanhada. Não pode.  Pedi que ele fosse embora, não porque eu queria ficar sozinha com o menino, mas porque eu tive medo de sofrer represálias caso a gente questionasse as regras do hospital. Por isso também eu queria parir em casa.

Por volta das 4 horas da madrugada, chega uma trabalhadora da saúde. Não tomou banho ainda? Porque? Nem deu tempo de dizer que me mandaram não me mexer. Levantei, tomei banho. Com ajuda para pôr a roupa. E seguimos ali, deitados lado a lado. Menino e eu. E se eu durmo e aperto ele? E se deixo ele cair? E se ele chora? E se ficar com fome? Mas eu sabia que me leite ia descer, o trabalho de parto, se não valeu para parir, valeu ao menos para o leite descer, pensava eu.

As trabalhadoras da saúde ainda tentaram dar leite num copinho para ele. Eu não estava deixando, mas não e que uma delas entra no quarto bem na hora em eu vou no banheiro. Quando volto, está ela com Estevan no colo e o copinho não mão. Ele não tomou. Não era para ele tomar. Ele ia mamar quando fosse a hora. Ele ia mamar. Eu já não pari. Ele ia mamar, no peito.

Logo começaram as dores. Dores musculares, das mais de 24 horas de trabalho de parto. Dores da alma, de um corte feito na barriga. Eu tinha um bebê para cuidar, um corte na barriga para cicatrizar e uma ferida imensa na alma, acompanhada de um sentimento maior ainda de incompetência. O corpo sabe parir, mas o meu corpo não pariu.

Apesar disso, sobrevivi aos dias no hospital. Cuidei do Estevan. Subi e desci da cama, fui ao banheiro. Tomei banho. Juntei coisas que deixei cair no chão. Com o cordão do soro ligado ao meu braço. Recebendo medicação por SUSPEITA de infecção. Procedimento padrão. Por isso também que eu queria parir em casa. Para ficar livre dos tais procedimentos padrões.


 Estevan nasceu na sexta a noite e voltamos para casa na segunda pela manhã. Fazia frio, e fazia sol. 

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Um texto por dia

Menino que nasceu no último texto completou 2 anos na segunda-feira. Reunimos os parentes e algumas amigas que acompanham mais de perto a vida do Estevan para um almoço. Isso consumiu energia, mudou o foco das atenções, cansou o corpo, por isso também, fiquei uns dias ausentes da escrita.

E digo também, porque escrever sobre o nascimento do Estevan ainda mexe bastante comigo. Com questões ainda não respondidas, feridas ainda não curadas. Estevan nasceu em 23 de maio de 2014, às 18h55min. Eu? Eu venho nascendo, renascendo, descobrindo e redescobrindo desde lá. Muitas partilhas e muitas descobertas ainda acontecerão nas próximas páginas, nos próximos caracteres.

A ideia inicial era um texto por dia, desde o dia 01 de maio até o dia 23 do mesmo mês. E, então, decidir o que fazer com o blog e aspirar novas pequenas ações para a vida. Eu não consegui um texto por dia. Tem dias que menino mama mais, quer mais colo, mais atenção, mais presença. O corpo de mãe relaxa e aquece ao lado do corpo de filho, a gente sente o friozinho que passeia do lado de fora das cobertas, sente o sono se chegando e não encontra coragem de levantar, os olhos se fecham aos pouquinhos e quando a gente vê já é a próxima mamada da madrugada.

Aprendi, com isso,  que ainda não é momento de assumir mais um compromisso diário, mas é sim possível ampliar o horizonte dos fazeres. Escrever um ou dois textos por semana é possível, é terapêutico também. Me dá tempo de deixar passar pelo corpo as sensações e reorganizar o que provocam em mim, o que dizem, ou me ensinam.

Tenho vontade de escrever sobre as escolhas que fiz nesses dois anos do Estevan, sobre a mudança de vida, de estilo de vida. Sobre o olhar para a maternidade antes da gestação e a brusca mudança de discurso, que começou já na gestação.


Criança não tem querer. Deixar chorar. Falta de laço. Algumas coisas amaciadas pela pedagogia, outras ainda duras, que possivelmente diz muito da minha infância e que se transformam, se transformam em olhar atento. Em respeito. Em maternidade consciente. Criação com apego. Disciplina positiva. Todas essas coisas em processo de aprendizagem, mas que quero registar em palavra escrita, para ser história de vida de mãe, para ser história de vida de filho, para que não se perca da memória. 

No próximo texto, os primeiros dias de vida do menino e as dores de ferida difícil de cicatrizar. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Parto-me (2)


22.05.2014, 21h08min, no meio de uma contração
Parto-me parte 2 não está fácil de sair. Revisito as fotos, os vídeos, ouço as músicas e cada vez que faço isso
sentimentos novos vem surgindo. Sentimentos do antes, do durante, do agora. Sensações que me invadem, me tiram sorrisos e lágrimas.
Eu sinto como se, sinto como se em 2 anos e 9 meses eu tivesse aprendido mais que em 30 anos de vida. Sinto como se eu tivesse começado a me conhecer.


É um desejo de voltar lá atrás, voltar e fazer tudo de novo, diferente, usando tudo o que eu aprendi desde lá. Mas eu sei, também que, tudo que acontece é aprendizagem. A Vanessa que estava lá é semente da Vanessa de hoje. A Vanessa que estava lá fez o tinha condições de fazer. E viveu o que precisava para aprender vai sobre a própria vida.

Mas, enfim. 22 de maio de 2014, fim de tarde, por volta das 16h30, uns minutos a mais. A bolsa rompeu. Líquido escorrendo perna abaixo. Eu nem sabia ainda se poderia parir em casa, ou teria de ir para o hospital. A coleta de 24 horas de xixi tinha ido para o laboratório pela manhã e eu aguardava o resultado.

Pai do Estevan saía do trabalho as 17h. Pedi que passasse no laboratório para pegar o resultado. Era importante tê-los em mãos. Entrei em contato com a parteira, encaminhei resultado dos exames por e-mail para o obstetra. Tudo certo com os exames. Que alívio. Ou não. Eu tenho  a sensação de que naquele momento eu já não sabia mais se todo aquele movimento era bom mesmo, e se não desse certo? Vamos lá, o corpo sabe parir! Eu tinha certeza de que parir seria libertador, transformador! Uma transformação acontecida no instante do parto. Eu certamente não imaginava que o parto de uma nova mulher seria tão longo, dolorido e bonito.

A Doula. Ela está viajando, mas fizemos contato anterior com outra pessoa. Outra Doula. Se fosse preciso ela nos acompanharia. Um encontro. Eu fiquei um pouco envergonhada de fazer contato com ela. Devíamos ter conversado mais. Nos encontrado mais. Ela já conhecia o restante da equipe, isso me tranquilizava, já haviam trabalhado juntos. Mas e a minha intimidade com ela? Eu não pensei nisso. Eu queria parir. O corpo sabe parir!

Organizamos a casa. Aquecedores no corredor e banheiro. Descobri que esses aquecedores pequenos não servem de nada. Fazem um vento quente ótimo para secar banheiro em dia de umidade, mas como aquecedores de ambiente? Um desastre. Ou seria o frio intenso que fazia e minha variação de temperatura?

Pode ir para o chuveiro. Fica um tempo lá. 1 hora. Se as contrações continuarem é trabalho de parto. Se pararem. Alarme falso. Eu fui. E aquela hora não passava nunca. Sabe quando as mães gritam "desliga esse chuveiro, á faz 1 hora que tá nesse banho!". Elas nunca olharam no relógio. 1 hora embaixo do chuveiro é muito tempo. Muito tempo mesmo. Mesmo com o banquinho para sentar.

Era um dia frio. Bem frio. O banho precisava ser quente. Além da pouca eficiência dos aquecedores, a chave (disjuntor) do chuveiro também caía. Alguns minutos de banho bem quente e alguém precisava religar a chave. Que saco. Interrompia. Atrapalhava. Que vergonha. Nem o chuveiro não funciona direito.

Eu me preocupei bastante com o que precisava para parir em casa. Acho que faltou pensar no que eu queria para parir em casa. A primeira coisa é sim importante. A infraestrutura. Mas, e os meus desejos? E a conexão com o corpo, com o bebê?

É um momento íntimo. Não é bom muitas pessoas por perto. Mas se é para nascer em casa é para nascer com as pessoas que vivem na casa, não? Eu queria que meu irmão estivesse junto. O pai da criança também, claro! Mas queria também que Mateus estivesse com a gente . Mas, não pode muita gente. Acatei. Não ouvi o meu desejo. Acatei.

Iuri fez risoto. Comprou algumas coisas para comer. Ficamos em casa, os três. Conversando. Anotando contrações. Todas. Sem perder nenhuma. Dançamos? Não, eu esqueci de dançar na gestação. E as músicas. Eu estava fazendo seleção de músicas. Salvando no notebook, vai que a internet não funcionasse, eu teria as músicas salvas para ouvir. Mas, uns dias antes, notebook estragou. Ainda deu tempo de salvas algumas numa lista do youtube. Algumas. Poucas. Não exatamente as que eu queria. E elas repetiam a todo instante. Repetiam desesperadamente.

Entre uma contração e outra, a gente dormia um pouquinho. Eu tenho uma habilidade incrível para dormir. Assistindo aos vídeos pude conferir o comentário do Iuri sobre isso.

As contrações e as dores aumentavam. Já passava da meia noite. Chamamos a Doula. Eu não lembro quando ela chegou.  E lembro menos ainda quando o resto da equipe chegou.

Quem sabe vamos caminhar, sair do quarto? Não! Eu não conseguia. Talvez tenha ido até a cozinha alguma fez. Mas a imagem que eu tenho era de ir até um pedaço do corredor e voltar. Não, eu não queria sair dali. Eu não conseguia. Massagens, florais, banho (quente-frio), bola. Rebola. Mexe os quadris. Inspira. Solta o ar pelo canal da vagina.

A gente tava na cama. A Cibele nas minhas costas, massageando. Foi um momento intenso. Na minha memória registrado como "vamos lá, tu vai conseguir". Cibele tinha lindas palavras de incentivo. E eu ali, com minha dificuldade de acreditar em elogios.

Conecta com o bebê, pode chorar. Fala tudo que está sentindo. Pode gritar. Vocaliza. E se teve uma coisa que que fiz foi gritar, gritei por todos os silenciamentos da vida. Gritei por todas as vezes que calei. Que acatei.
23.05.2014, 13h06. 
Pode falar o que tu sente, o que tu tem vontade. Chama teu filho para o mundo. E eu chamei, mas era estranho. Pedi desculpas por não aceitá-lo. Pedi desculpas ao pai dele por não ter contado antes. Mas não consegui falar de amor. A frase veio, tocou na minha garganta, mas eu não consegui falar. Eu engoli. Mãe eu te amo. Eu não consegui.

Em algum momento tudo parecia tão artificial. Tem alguma coisa trancando. Não vai descer, tá trancado. Nem mesmo o ar, inspira, solta o ar pelo canal da vagina, nem mesmo o ar imaginário passava ali. Eu não consegui bem dizer o que era, mas falei que trancava. Coloquei a mão no ventre e dizia: aqui, está trancado,  tem alguma coisa trancando, não vai passar.

Muitas horas já deviam ter passado. Eu me sentia exausta. E se eu dormisse só um pouquinho, será que eu conseguiria?

Os exames de toque doíam insuportavelmente. Estávamos bem. Pressão, temperatura, batimentos cardíacos. Mas as contrações começaram a espaçar. Começaram a enfraquecer. Quase 24 horas de trabalho de parto. Eu acho. 7 cm de dilatação. Eu acho. O bebê está muito alto. Ele precisa descer e girar. As contrações estão fracas. Não vão conseguir empurrá-lo.  É melhor ir para o hospital, quem sabe com a ocitocina sintética as contrações retomem e o trabalho de parto avance.

O plano B era o hospital centenário. A equipe me acompanhava até, mas não teriam como entrar. A bolsa no menino estava mais ou menos arrumada. A minha, nada arrumada. Eu ia parir em casa. Parto domiciliar planejado. Nada das minhas roupas me serviam mais. Fazia muito frio. Peguei o que restava de roupa limpa e que ainda servia.

Iuri ajudou a descer as escadas. Via luz do dia. Mas não vi as pessoas que andavam pela rua. Era sexta-feira, 23 de maio de 2014, por volta das 16h.  Fui no banco de tras, de joelhos. Recebendo as contrações. No hospital, na sala de pré parto ninguém entra. Tendei que a Doula entrasse junto. Não. Não pode. Quando for para a sala de parto chamamos uma pessoa.

A ocitocina sintética entrou e as dores aumentaram. Aumentaram muito. Não tinha posição confortável. Na verdade, só tinha uma posição: deitada! Obedeci. Obedeci, também, por medo de ser maltratada. Que tristeza, em momento de dar a luz precisar passar por isso. Precisar passar pelo medo de ser maltratada. As contrações vinham e eu gritava. Vocalizava. Mas não consegui me mexer, me sentir confortável. Os exames de toque continuavam imensamente doloridos.

A dilatação completou. Mas o bebê continua alto. Um médico olha, chama outro. O que fazer? Se aproximava da hora de troca de plantão, depois me dei conta. Como iam trocar plantão e deixar uma mulher ali, em trabalho de parto.

Vamos fazer cesárea. Tudo o que eu não queria. Cesárea. E eu ainda choro por ela. Choro agora. Na hora não. Não sabia mais dos meus sentimentos. Só sabia de dor e exaustão. Chamem o pai da criança. Ele tem direito! Eu tenho direito. Foi a única reivindicação que eu consegui fazer. Contra o anestesista que me dizia para não gritar, eu só consegui responder com um grito. Mas devo admitir, naquele momento, aquele líquido agindo no meu corpo foi uma sensação ímpar.

Na cirurgia, eu me sentia como um saco de batatas que é empurrado, balançado para todos os lados. Pedi que tirassem o pano na da minha frente. Que queria ver. Não. Não podemos tirar.

Eu fiquei ali, esperando sentir tirarem o bebê da minha barriga. Eles iam tirar e me mostrar. Óbvio né? E puxa de um lado e do outro. E nunca tiravam bebê. A minha esquerda, numa mesinha, tinha um bebê, não era o meu filho, eu não senti tirarem ninguém da minha barriga. Eu não sei de quem eu pensei que fosse aquele bebê. Não tinha outra mãe passando por cirurgia ali comigo. Mas eu não achei que fosse o Nosso Menino. Na minha direita, Cristofer conversava. Dali um momento me falou, como quem quer dizer, mas não quer assustar.  Ali, do lado, nosso filho. Nosso filho? A enfermeira (ou sei lá quem era ela) explicou que ele demorou um pouco para respirar. Mas estava tudo bem. É normal em função do hormônio sintético e da anestesia (e dele ter nascido pela barriga e de ter o cordão umbilical cortado rapidamente). Qual o nome dele? A gente olhou, se olhou. Estevan. Eu ainda brinquei, Estevan Leopoldo. Era sexta-feira, 23 de maio de 2014. 18 horas e 55 minutos.

E toda a paixão que eu parecia não ter sentido naquele momento de exaustão, de hormônios sintéticos, de anestesia, eu sinto agora, ao escrever.  Revisitando a memória, eu sinto como cada pessoa que se envolveu no nosso trabalho de parto se dedicou na forma que pode, na forma que sabia naquele momento, deu de si tudo o que tinha para dar.

Cris, vai com o Estevan. Eu fiquei ali sendo costurada. Depois sala de recuperação. Precisa levantar o quadril e as pernas para receber o bebê. Vai demorar umas quatro horas. Eu estava exausta. Vou dormir para me recuperar e receber o filho. Posso trazer ele? Sim! Sim! Traz! Tu consegue segurar ele? Teve um silêncio, vácuo. Não são sei quanto milésimos de segundo durou. Sei que eu não consegui pensar se não conseguiria. Eu daria um jeito. Traz! Traz o meu filho!

Eu queria parir. Estevan não nasceu de parto normal. Mas, desde lá, venho parindo uma nova mulher! 



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Nesses dias de escrita sobre trabalho de parto escutei e cantei muitas vezes essa música da Bruna Caran, Nascer de novo. É como se ela tivesse sido escrita para mim, para minha experiência de maternidade.


É como se o tempo que eu levei
pra saber tudo o que sei
provasse eu não saber nada.

Por todo o caminho que andei
pra cada passo que dei
voltar ao início da estrada.

E desfazendo cada defeito
desvendando um jeito
desenhando a saída.

Que é pra viagem
ser só de ida,
mas sem haver despedida.

Te ter é como nascer de novo
não reconhecer nada ao redor
desatar o nó, quebrar a casca do ovo
a dura carapaça da dor.

Por tudo aquilo que já pequei
e cada ato que errei
é como estar perdoada.

E livre do que então carreguei
cada cilada em que entrei
de cada porta fechada.

Viver trilhando o caminho certo
é olhar mais de perto
o universo em mim.

Que é pra poder seguir adiante
não me sentir mais distante.

Te ter é como nascer de novo
não reconhecer nada ao redor
desatar o nó, quebrar a casca do ovo
a dura carapaça da dor.

Tenha paciência comigo
Saiba que ainda estou
Sem ver onde piso, é repentino e sem aviso
A terra perdida à pele, a paixão ardida…

Te ter é como nascer de novo
celebra o que em mim é maior
minha nova instância: descobrir a todo instante

cada nuance do que é o amor.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Parto-me (1)

Logo após a bolsa romper
Eu queria parir. O corpo sabe parir.

As combinações aconteciam para  o parto domiciliar. Eu queria parir. Me emocionava os relatos de parto. Eu queria parir, queria viver tamanha emoção.

As semanas avançavam e o peso aumentava. Precisa cuidar a glicose. Pode acontecer que tenha diabete gestacional. E ai o plano de parto domiciliar se esvai. Que merda! Tivesse eu continuado a fumar e a comer menos doces teria feito menos mal? Que merda!

As semanas passavam... Eu continuava trabalhando manhã e tarde e assim segui até a semana anterior ao nascimento do Nosso Menino. Hoje certamente trabalharia menos, estudaria menos e amaria mais, me amaria mais. O saber é importante, mas  sentir é muito mais.

As semanas seguiam. A doula que me acompanhava tinha proposta de viagem. O que vocês acham, posso ir? Pode ir, se é para o Menino nascer perto de ti, vai te esperar voltar. Fizemos contato com outra doula, se o trabalho de parto iniciasse, ela nos acompanharia.

A gestação se aproximava do fim. Foi pouco tempo nesse movimento preparatório para parir em casa. Não tínhamos conversado junto, todas as pessoas que estariam presentes nesse momento. Eu me sentia um pouco desconfortável, não sabia bem com o que. Penso que tivesse um pouco a ver com o papel central que eu ocupava. Eu não era apoio, não era coadjuvante, eu era a mulher com o filho para nascer. Aquele movimento todo era para me dar suporte no nascimento do Nosso Menino.

Nosso Menino porque ele tinha possibilidades de nome. Mas nome certo, só depois que a gente visse que cara tinha. Chinelinho foi o primeiro apelido, e permanece, ainda há pessoas que o chamam assim. De alguma língua africada: Deus está pensando. Batizado por Mateus e Maria Carolina.

Eu sentia como se tivesse atrapalhando a vida das pessoas. Com se não fosse merecedora do movimento delas. Mas ignorei esse sentimento e segui em frente, com o propósito de um parto humanizado. Ignorando a voz do coração de que algo estava desconfortável.

Eu queria parir. O susto de uma pressão mal verificada, 16 por algum número que não lembro agora, me levou ao hospital. Pressão alta? Socorro! Ao ser atendida tudo já corria bem. Talvez o sentimento de estar perto do fim. A doula que se ausentava do estado. O exame de 24 horas coletando xixi. Logo veio um tanto do tampão, com bastante de sangue. Me assustei, poderia ser sintoma da pressão alta. Voltei ao hospital. Mais exame de toque. Depois fui saber o quanto abusivo são esses exames, feitos assim livremente.

Creio que isso tudo tenha acelerados as coisas.

Na quinta-feira, 22/05, passei o dia com cólicas. Muitas cólicas. Por volta das 16h30 levanto para  ir ao banheiro. Tinha passado a semana em casa, de repouso. Quando chego no banheiro começa a escorrer xixi perna abaixo. Ops... Isso não é xixi!


A bolsa! A bolsa rompeu!

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Sobre a forma de nascer

Eu comecei o pré-natal já passava dos 3 meses de gestação. No SUS, precisa aguardar. Estamos lotados. Eunão tinha como aguardar. Já havia deixado que muito tempo se passasse.

Procurei médico particular. Não tinha plano de saúde. A agenda livre mais próxima era daquele mesmo ginecologista-obstetra que me falou no início da gestação  "é só um bebê".

Comecei pré-natal com ele. Um tempo depois consegui a consulta pelo SUS. Mas eu não conseguia largar do médico que  comecei o pré-natal. Agora vejo como exagero. Na época não. Eu tenho pé atrás com médico, precisava ouvir mais de um. Não tinha como descuidar, negligenciar, correr riscos com a gestação a partir dali. Precisava garantir que tudo corresse bem. Talvez fosse a insegurança, reflexo do não desejo. Não sei, seu que foi assim.

Quando a casa engravidou a primeira vez fiz algumas leituras sobre parto e cesárea. Os dois são forma de nascimento, mas cesárea não é parto (há discordâncias, mas eu compreendo assim). Assisti vídeos de parto humanizado, parto domiciliar, parto natural gêmeos.

Ah, os partos domiciliares. Eram lindos. Mas uma realidade muito distante. Imagina, eu parindo em casa? Não, não era pra mim.

Conversei com o GO (ginecologista obstetra) sobre parto, cesárea e valor. Fiquei escandalizada ao descobrir que o acompanhando do trabalho de parto e parto normal era muito mais cara do que a realização da cesárea. Como assim mais caro? Simples, se tu entrares em trabalho de parto início da manhã eu preciso cancelar toda minha agende, até o bebê nascer. Tu paga pelo meu tempo. A gente paga pelo tempo do médico para que ele nos acompanhe naquilo que nosso corpo sabe fazer desde sempre. Parir!

Decidi que continuaria com o acompanhamento do pré-natal particular (e pelo SUS também, quanto exagero) e o parto seria pelo SUS. Olha, o hospital da ULBRA em Canos é muito bom. E algumas outras sugestões de lugares surgiram. Não. Eu vou parir no Hospital Centenário, quero que menino nasce em São Leopoldo. Cidadão Capilé. No Centenário? Sim. No Centenário.

Aquele desejo de um parto longe do hospital permanecia na minha cabeça. Sem intervenções. Cria no colo logo depois de nascer, sem procedimentos invasivos. Mas tudo bem. Isso não é pra mim.

Mas como eu vou saber a hora de ir para o hospital? E se eu for muito cedo e for submetida a uma cesárea desnecessária? E se eu sofrer violência obstétrica?

É horrível a sensação de medo da violência obstétrica. Em uma hora tão significativa da vida gente. Da vida da mãe que nasce, da vida da criança que nasce, a gente ter medo de ser violentada. No início da vida, quando a gente devia ser acolhida, a mãe e a criança que nascem, temos medo de ser violentadas. Eu tinha medo de ser violentada. Tinha medo de ser enganada. Passada para traz. Machucada. Tinha medo.

É triste que a via de nascimento seja, muitas vezes, determinada por esse tipo de medo. Medo de ser maltratada. Eu sabia da importância do trabalho de parto para a vida do bebê, para a vida da mãe. Eu sabia de muitas coisas que nós dois ganharíamos passando por essa experiência. Eu tinha curiosidades. Eu queria saber como era a dor do parto. Eu queria encontrar a partolândia. Eu queria parir!

Como vou fazer? Uma Doula! Uma Doula pode me acompanhar no início do trabalho de parto em casa. Depois vamos para o hospital. Perto da hora de nascer. É só chegar no hospital e pronto. Eu não lembro como cheguei até a Anita, mas cheguei. Marcamos uma conversa. E ela ascendeu uma luzinha de possibilidade de parir em casa. Me contou dos partos dos filhos dela. Da equipe que a acompanhou. Da possibilidade de parcelamento no pagamento. Eu queria parir! Eu nuca gostei de hospital.

Eu já estava com 33 semanas. Menino crescia na barriga. Marquei consulta com GO do parto humanizado. Mais um médico, um novo olhar sobre o pré-natal. E eu, ao invés de abandonar os outros dois, continuei com os três. Que tamanha insegurança, fico pensando agora! Que tamanho medo! Que tamanha falta de confiança, neles ou em mim, não sei.

Contei história inteira. Não te preocupa com isso. Muitas mulheres que fazem inseminação artificial também se sentem inseguras quando tem a confirmação de estarem grávidas.

O médico fez perguntas diretas. Eu senti como se ele quisesse colocar a prova meu desejo de parir fora do hospital. Acho que maior que o desejo de parir em casa era o de parir longe de um hospital.

Eu queria parir. Sentia que precisava viver aquela experiência, mas não sabia dar nome aos sentimentos. Não sabia falar deles de coração aberto. Não sabia falar. A garganta dava nó. O olho enchia de água.

E o parto Vanessa? Vou parir aqui na sala dos professores. Estarei trabalhando e... Ops... Nasceu! Brincava com as colegas. Essa louca, capaz de ganhar esse guri em casa! Eu ria e dizia "o corpo sabe parir gurias, foi feito para isso." Eu tinha certeza de que o corpo sabia parir.

Li muitos relatos de parto. Assisti vídeos. Me informei sobre o que poderia dar errado em um cesárea, quais eram as falsas indicações de cesárea.  Texto da Melania Amorim falando das indicações reais e fictícias de cesáreas.

O Grupo Nascer Sorrindo, no facebook, foi outra fonte de informações muito importante. Li fragmentos do livro Quando o corpo consente, e também do livro Entre asorelhas: histórias de parto do Ricardo Jones. Além de muitos textos em blogs e sites espalhados pela internet. Conversei muito com uma amiga que tinha parido em casa, dentro d'água.

O corpo sabe parir. Eu tinha certeza disso. Mas tinha também medos. Medo daquilo que eu desconhecia. Algumas vezes pensava se aquilo tudo daria certo. Tinha a sensação de não me sentir merecedora daquela experiência. Não sei se a expressão é bem essa. Mas tudo bem, o corpo sabe parir.


Não consegui assistir ao documentário O Renascimento do Parto, nem O Parto orgásmico. Durante alguma consulta com o Ricardo Jones (GO do parto humanizado), falando sobre as pessoas que acompanhariam o trabalho de parto, ele comentou que o parto era como o sexo. O que acontece se duas pessoas estão transando num quarto escuro e alguém abre a porta e liga a luz? É o mesmo que acontece durante o trabalho de parto! 

Parto é sexo. Parto é empoderamento! Eu tinha muita expectativa de que parir seria um ato libertador pra mim. Eu queria muito chegar na partolândia!

sexta-feira, 13 de maio de 2016

As grávidas precisam de chás, carinhos, colos e paparicos


Durante a gestação me sentia muito instável. Mais que sempre. Cheguei comentar que maternidade e estabilidade emocional são coisas que não andam juntas. Talvez pela circunstâncias em que a maternidade se apresentou para mim, mas também pelas transformações que ela nos provoca. Pelo borbulhar de sentimentos. Pelo borbulhar de vida, de hormônios.


Três dias depois de uma escrita que exalava amor. Outra. Que transpirava medo e insegurança.
Segue o texto de 27.04.2014.


"Tem dias que a gente é menos forte, que os medos vêm à tona. Ontem foi assim. Pode até ter outra pessoa ao lado. Continuamos nos sentindo sós.


Eu me senti tão assim. Tão sozinha. Mesmo com menino na minha barriga. Mesmo com o outro menino ao meu lado.

As lágrimas. Tentei segurar. Não sei pedir colo. Elas, as lágrimas, vieram mesmo assim. escondida, chorei. Chorei porque em breve tem outra vida aqui fora e eu tenho que cuidar dela. Chorei porque a glicose subiu. Substitui o cigarro pelo doce. teria o cigarro feito menos mal? 

Chorei porque me senti feia. Porque me senti uma bola peluda. Chorei de saudade das noites nas ruas. das faltas de horário e organização. chorei porque a gente chora muito mais quando está grávida.

Sequei as lágrimas e levantei. mas não consegui segurar. Precisei pedir colo. Pedir colo também dói. Pedi colo, mas não consegui dividir o que fazia as lágrimas caírem.

Ganhei chá. Ganhei carinho.

Acho que as grávidas precisam de chás e de carinhos. Precisam de colo e paparicos.

A gestação tem seus medos. suas lágrimas.

O tempo de espera é também tempo de transformação."

O tempo tem me ensinado que a triste vêm, às vezes. Que é preciso deixar chorar. Que é importante nomear as coisas que sentimos e que é fundamental compartilhá~las. 
A maternidade me escolheu, e eu me deixe envolver. E todo relato de amor é aprendizagem. E todo relato de dor é aprendizagem.

A construção do amor

Já é o décimo segundo texto e eu ainda nem entrei em trabalho de parto. Até aqui os relatos vem doloridos. Metamorfose. A lagarta morre para que nasça a borboleta. Os dias foram passando. A barriga crescendo. E eu aprendendo a amar. Eu curti muita estar grávida. Ver a barriga crescer. Andar por ai de barriga amostra! A chance da gordinha por a barriga de fora, nesse mundo onde só se mostram barrigas negativas. E eu aproveitei. Usufrui. 
Passava o dia com pelo menos uma das mãos na barriga. Minhas colegas riam, para de cutucar esse guri"! E eu cutucava sim. E ele respondia dançando. 
Uma das imagens que eu acho mais linda de se ver é mulher grávida.. Sempre achei. Esqueci quando me descobri grávida. Depois, tornei a lembrar. Não há como não se encantar com a criação de uma vida. Não há como não se encantar com o florescer do amor.
O texto que segue é de 24 de abril de 2014.
"Eu sempre acreditei que o amor era um sentimento construído", construído dentro da gente, porque vagando pelo mundo ele existe sempre. "Construído a cada passo, a cada encontro, a cada nova descoberta juntos, nos risos e nos choros. Mas achava que amor materno era diferente... Descobriu que tinha uma vida na barriga e transbordou de alegria e amor.
Não foi assim o amor. Ele é do jeitinho que falei primeiro, antecedido ainda por pânico, medo, negação.
Era como concreto, como asfalto no meio do deserto, porta lacrada deixando o quarto escuro. Mas o encontro diário e inevitável fez um feixo de luz encontrar uma fresta na porta, de a água empoçada no concreto encontrar a rachadura e mergulhar na terra, fez semente perdida rachar o asfalto e desabrochar em flor.
Está chegando o tempo do pinto rachar a casca do ovo e sair para conhecer o mundo.
Está chegando o tempo de pegar o pinto no colo e mostrar o mundo para ele.
Está chegando o tempo de sentir o amor transbordar... de deixar o amor transbordar...
E que venha com essa enxurrada de amor todas as aprendizagens. e que onde habitava uma vida, agora habitem" mais.